A pesquisa-ação no Espaço de Convivência entre Afásicos e não afásicos (ECOA) teve início em 2009. Esse espaço é um lugar de convivência entre pessoas afásicas e não-afásicas (pesquisadores terapeutas e familiares amigos), interação mediada pela linguagem verbal e não verbal, bem como por sua relação com sistemas não verbais; mediada ainda por um saber técnico sobre a linguagem e os processos cognitivos (memória, percepção, praxia/corpo, atenção) que integram o funcionamento do cérebro/mente.
O critério de pertencimento dos participantes no ECOA é, por um lado, o estado de afasia e/ou demência por parte dos sujeitos cérebro-lesados; e, por outro, a formação em Neurolinguística de alunos de graduação e de pós-graduação (mestrado e doutorado vinculados ao PPGLin), o que abre diversas frentes de pesquisa-ação. O ECOA funciona também como um lugar de exercício da extensão universitária à medida que avalia e trata dos sujeitos afásicos e com demência e agrega seu familiares e acompanhantes.
Os sujeitos ingressam no ECOA por meio de encaminhados ao LAPEN, feitos por profissionais de diversas áreas, tais como neurologistas, geriatras e fonoaudiólogos, além de médicos que atendem no Centro Universitário de Atenção à Saúde (Ceuas) da UESB.
As sessões ou situações comunicativas do ECOA ocorrem, semanalmente, com duas horas de duração, cada grupo. Nas situações comunicativas, os sujeitos afásicos, junto com os sujeitos não afásicos, participam de eventos comunicativos que possibilitam a vivência de situações de uso sociocultural da linguagem, em contextos verbais e não verbais, na construção de sentidos. Os sujeitos afásicos são motivados, em grupo, a exercer a linguagem em diversos eventos comunicativos(diálogos, narrativas, comentários) em que há alternância de interlocutores, diferentes posições enunciativas e configurações textuais.
Além das sessões coletivas, todos os afásicos são acompanhados, individualmente, por um(a) cuidador(a): aluno de graduação (iniciação, estudos monográficos e estágio) ; mestrandos, doutorandos e pesquisadores em estágio pós-doc do PPGLin, sob orientação e supervisão da Profa. Dra. Nirvana Ferraz Santos Sampaio.
O ECOA se caracteriza como um todo organizado por normas compartilhadas que regulam as diferentes situações e eventos comunicativos (no entrecruzamento do verbal e do não verbal), que tem a mesma concepção social e cultural do mundo. Entretanto, não é só isso que o define como uma comunidade de fala, mas, também, a prática (clínica) com a linguagem e a construção do saber dessa prática na relação entre língua(gem), cultura e sociedade
Na metodologia, há espaço estabelecemos um intervalo na pesquisa para que ações com a linguagem oral ou escrita tenham lugar. É nesse momento que o investigador atua fazendo os sujeitos produzirem aquilo que o achado havia mostrado como o ponto do problema. Consideramos relevantes os dados que dão visibilidade a fatos de linguagem, ou seja, a dados que não são simplesmente evidências, mas sim aqueles que apresentam variabilidade e singularidade ou seja, os dados-achados.
A metodologia de acompanhamento longitudinal (o uso de ferramentas importantes como a agenda, em que o sujeito ou o familiar registra o cotidiano do sujeito, as gravações e filmagens das sessões) pode ser replicável, visto que nela há um rigor metodológico. Ou seja, há sistematização das atividades realizadas com os sujeitos para a produção e análise dos dados. Entretanto, os dados que ocorrem em meio à interlocução, aos atores sociais, à micro e macro-história são idiossincráticos, visto que lhe são atribuídos um estatuto teórico específico, em virtude das perguntas que se desejam ver incorporadas por uma teoria da linguagem mais abrangente e interessada não somente nas questões formais do objeto linguístico, mas também no modo e na história da sua constituição. Essa metodologia possibilita que se examine pormenores e marcas individuais presentes nas várias atividades humanas, dentre elas a linguagem; permite lidar com diferenças, mais do que com semelhanças; com o que é atípico (ou com anormalidades), mais do que com o que é típico. Permite ao pesquisador/analista buscar explicações, mais do que tentar encontrar evidências para teorias existente.
O planejamento das atividades de forma sistemática, com o intuito de estimular os sujeitos a se envolverem nas práticas de linguagem promovidas nos encontros. No momento das sessões, há uma aproximação entre o pesquisador e o sujeito; busca-se uma relação mais simétrica, visto que ambos são interlocutores que constroem sentidos, ao longo do processo dialógico. No momento das análises, o pesquisador assume um outro papel, o de refletir sobre o que ocorreu naquela sessão em relação à linguagem. Por isso, as sessões são gravadas. Muitas vezes, é apenas em um segundo momento que conseguimos compreender algumas das tentativas dos sujeitos para se fazer entender, dos significantes produzidos, dos gestos usados.
No ECOA, o corpo patológico (que se diferencia do corpo social pelo que escapa à maior parte dos sujeitos) é inserido num contexto em que há regras, normas e espaço para a heterogeneidade, para as diferenças entre os sujeitos, seus modos de agir e de se colocar no mundo.
Os corpos/sujeitos afásicos que vivenciam a prática (clínica) com a linguagem no ECOA, num primeiro momento, mostram marcas que reafirmam suas histórias e constituem e reforçam o patológico. Quando já inseridos nessa prática, compartilham seus limites e suas possibilidades com outras pessoas e redimensionam as possibilidades e os limites do corpo e de seu papel social. Enfim, reinterpretam-se na relação com outras pessoas, ou seja, o corpo torna-se alvo dos novos mecanismos de poder, oferecendo-se a novas formas de saber.
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